terça-feira, 27 de novembro de 2007

Naquilo em que os sonhos se podem tornar

What dreams may come.
Eis um filme que me reconciliou com o cinema. Depois de várias tentativas falhadas - tarantinos, magnolias, eastwoods e quejandos - o cinema parece ter recuperado a sua verdadeira
versão. A sua verdeira visão e fôlego. A visão e respiração que o criou, A pintura e a fotografia. A palavra e a linguagem. A estética e a sabedoria.

E só um genio o saberia fazer: Robin Williams. Não passou de uma intuição de um profissional ao ler o manuscrito original de Richard Matheson. É uma obra prima dos viventes. Não é uma obra prima do cinema ou da arte de representar, ou da pintura ou da literatura. Robin Williams sabe isso, porque quis transpor as fronteiras do universo muito diminuto, e miudinho, do cinema. E conseguiu. Forneceu-nos uma Obra Divina. Quem mais fornece Obras Divinas neste tempo? Hollywood está preocupada com as mais-valias. A que eu chamo mais-velharias. O cinema de autor, preocupado com a sua própria cena, os seus próprios mitos. O filme pornográfico ainda não saiu sequer dos mitos. E o filme documentário não passa de uma denuncia de uma realidade parcial. Restaria o filme de animação, mas essa caiu nos mitos - saudade de Hannah Barbera.
Robin Williams, o genio do cinema actual consegue dar uma visão profunda e simultâneamente muito leve acerca do que é a arte, a criação e a evolução. Mas não envereda por filosofias. Vai directo ao assunto.

O filme é lindissimo. Absolutamete belo. Apenas o filme mais belo que eu conheci e que eu entendi como tal.

Kurosawa se fosse invejoso virava-se no caixão. Wenders, virou-se concerteza, em vida. Mas não há mal na inveja, é um pricipio criativo.
What dreams may come é melhor filme que vi até hoje. Mas não é só o "melhor". É apenas o unico filme que vi. Chegou e venceu. E não foram nececessárias legiões ou um exército.
Varreu todos os outros. Felinis incluidos. Entrou e ficou. Permanece. Conquistou-me. Porquê?

Porque me devolveu a mim próprio.

Quantos são os filmes capazes de devolver o espectador á sua própria vida? Quantas obras de arte o são capazes de fazer? Sem concessões ou pretensões de agradar? Porque What dreams may come, não quer agradar, tem as cenas mais terriveis, jamais vistas. nem nos filmes de terror a sequência do "inferno" é tão bem demonstrada.
E tornada real, aplicada á vida e aos mitos mentais dos viventes. Nem Dante se supunha a tanto.


Num tempo em que a "cultura" é péssima - porque incitada - o cinema tornou-se num produto de divisórias classes, What dreams may come é uma lufada de ar fresco. No cinema. na cultura e na recuperação do que é realmente importante - neste caso os icones, os verdeiros ícones da America. Mas também os verdadeiros icones dos viventes. O deserto, as ficções, o amor, o outro, a relação, o acaso, a estética, o valor. O valor das coisas. O contrário disso. E o resultado de ambas as coisas. O resultado do mundo criativo aplicado á critividade do cinema.
Dizer que o filme é genial é clasificar os outros filmes como tendo algum valor.

Não têm. Este é unico filme que a America fez. Que eu conheça.

Tal como as Asas do Desejo - de Wim Wenders - que foi o unico filme que a Europa fez. O resto ou é entretenimento ou "cultura".

Max Von Sydow no papel de um Deus presente que encarna na perfeição a antítese cultural vigente. Num tempo em que o Ideal é não viver com deus, mas com os seus pretensos derivados, e antitéticos, William demonstra a Realidade Fundamental da vida. Num filme, não mágico, nem científico. Mas vivo. Muito vivo. De olhos muito abertos. William percebeu para que serve o cinema. Os estudios cinematográficos ainda não. William sabe que, como á medida de Andrei Tarkowsky, uma obra de arte é para esculpir a vida. Este filme tem aquilo que faria Tarkowsky sentir-se muito feliz - um artista sabe e quer: mostrar que VIDA continua. E recomeça sempre. Algures. De outra maneira. Que não se resume a um engano temporal de critico. De uma infeliz maldição, desacertada pelos que não interessam.

Tenho visto os chamados "filmes de qualidade" que os criticos recomendam e francamente deu-me vómitos a vida que os criticos devem estar a ter. What dreams may come é classificado como um filme quase bom. Fui ver os filmes «bons» dos criticos e confirmei a minha teoria: a
vida dessa gente é desesperada. Estão a criar a realidade que merecem. É o que What dreams may come lhes quis dizer. Mas eles, como é costume, não perceberam.

Por isso criticos, como é costume.

A isso se chama costume. Nem sequer tradição. Nem sequer bons ou prestam.

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